Carne-seca no feijão, vísceras de porco na panela ou cabrito no leite de coco. São muitos os pratos típicos do Brasil que levam ingredientes substanciosos e ajudam a esquentar os dias de frio.O frio chegou e, com ele, a vontade de comer pratos pesados, capazes de esquentar o corpo. Nesta época do ano, é permitido extrapolar. Carnes gordas, chocolates e massas são aliados nos tempos de hibernação. Então, que tal aproveitar o período para saborear os pratos típicos do Brasil? Se no verão essas receitas são praticamente proibidas por comprometer a silhueta, no frio a boa pedida é se refestelar com elas. Em uma simples garfada, essas comidas já promovem a transpiração nas têmporas, indicando sua sustança. Especialistas ensinam a preparar a suculenta rabada, o estigmatizado sarapatel, o substancioso mocotó de cabrito e o saudoso feijão com jabá.
Depois da feijoada e do churrasco, a rabada é o prato tipo paixão nacional. A carne, saborosíssima, geralmente vai à mesa bem macia, escoltada por pirão e folhas de agrião. Contudo, engana-se quem acha que essa é uma iguaria originada no Brasil. Em locais da Europa, lugar com baixas temperaturas, o rabo bovino é preparado num caldo espesso de tomate e vinho, como na Itália. Já em Portugal, a carne é servida com legumes, como cenoura e batata. Na África do Sul, o prato também tradicional é preparado com tâmaras, damascos e feijão branco. O costume de saboreá-lo só chegou a São Paulo em meados de 1930.
A cozinheira Isabel Silva, do Restaurante do Campos, no Mercado Central do Núcleo Bandeirante, em Brasília, explica que a preparação da receita não leva nada de óleo pelo fato de a carne já ser extremamente gordurosa. Com o rabo fatiado em espécie de gomos, a capa de gordura que o envolve deve ser retirada antes mesmo de cozinhar. Na panela de pressão, a carne é cozida por aproximadamente 40 minutos, inicialmente sem nenhuma adição de água. “Dessa forma, o caldo e a carne ficam suculentos. Se colocar água antes de secar, o suco da carne pode deixá-la dura. Então, quando esse caldo secar, é sinal de que mais água deve ser colocada”, ensina.
Após esse tempo, é importante deixar a rabada esfriar para que a gordura se separe e possa ser descartada. “Aí, é só colocar o agrião, temperar com alho e cebola, e servir com o pirão feito com o caldo”, ensina. Isabel explica que, como a carne tem um sabor característico forte, carregar no tempero pode deixar o prato indigesto. “A estrela é a rabada. Então, não cabe colocar nada que tire esse sabor”, ressalta.
Outro prato que faz parte do cotidiano do brasileiro é o feijão. No Nordeste, porém, a oleaginosa é cozida com o jabá (como é chamada a carne-seca na região).
Cubos médios da carne dessalgada com antecedência são cozidos no feijão carioquinha ou roxinho, conferindo ao caldo um sabor especial. “É um prato bastante leve, embora substancioso. Não se coloca óleo e a quantidade de sal também é pouca”, destaca Francisco Santos, proprietário do Bar e Restaurante do Chicão, também no Núcleo Bandeirante. De acordo com ele, essa receita, além de forte, ainda é prática. “Bastam apenas arroz e pirão para a refeição ficar completa. No máximo, sirva também uma saladinha”, sugere.
Marca do sertão
Com a cara do sertão, o cabrito é uma das principais proteínas animais consumidas em várias cidades nordestinas. Com sabor característico, levemente almiscarado, a carne de bode (quando o animal é abatido já velho) pode ser preparada de diversas formas, como assada, ao molho e frita. Com baixa quantidade de gordura, tem baixo teor de colesterol e é de fácil digestão. Isabel explica que o cabrito não aceita muito tempero e o excesso de sabores agregados a ele pode até estragar o prato. Os cortes, antes de temperados, devem ser lavados com uma mistura de orégano e vinagre de vinho.
Depois, são temperados com pouco alho, cebola, urucum (para dar cor) e leite de coco. “O mais importante é o cominho. Essa carne fica muito bem com esse tempero”, conta. Na panela de pressão, ela precisa apenas de 20 minutos para amaciar. Do caldo, Isabel indica preparar um pirão mais grosso e servir com arroz, salada e feijão. “É uma receita básica e saudável. Tem substância, mas não pesa no estômago”, salienta.
Tempero regulado
Quando se fala em sarapatel, as reações são antagônicas. Quem conhece o prato ou suspira de vontade de saboreá-lo ou o rejeita de imediato. Originada em Portugal, a iguaria é preparada à base das vísceras do porco cozidas. Em alguns lugares, leva até sangue; em outros, azeite de dendê. No estabelecimento de Chicão, como gosta de ser chamado o cozinheiro Francisco Santos, a receita tenta ser leve o quanto for possível. “As pessoas não são acostumadas e podem ter indigestão. Então, faço o meu bem básico”, garante.
Na panela, as vísceras são escaldadas com limão para retirar o aroma forte. Logo em seguida, são picadinhas miúdas. Com cebola, urucum, sal e alho, o sarapatel é cozido por 15 minutos e depois são adicionados folhas de salsa e coentro. “Esse é outro prato que não pode temperar demais. Aliás, as comidas do Nordeste não suportam muito tempero, pois descaracterizam fácil e ainda as deixam indigestas”, acredita. Pronto, o prato é servido com farinha, arroz, pirão e pimenta. “Com a pimentinha e a farinha, não tem como não esquentar”, brinca o cozinheiro.
Por Rebeca Ramos, publicado no "Jornal do Commércio", Rio de Janeiro, edição de final de semana 18,19 e 20 de maio de 2012,com o título de "Fortes e de raiz". Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa
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