11.10.2012

ALDIR BLANC ESCREVEU: VÃO ENGANAR OUTRO SIM!


Brilhante texto para refletir sobre a inversão de valores da atualidade brasileira. Sei que é o que muitos queriam dizer.(LC)


Minha paciência (eufemismo) estourou com mensagens burras de publicidade. Já andava enojado com aquela que sugere ser mais fácil pegar a mulherada (sic) com carros da marca tal. Brasileiras, boicotem essa lata! Estão chamando vocês de quengas. A tolerância atingiu o zero com esse comercial “Sim, vamos fazer e acontecer, sim!” Aqui vão algumas sugestões para os gênios acrescentarem à campanha: Sim, os aeroportos ficarão entupidos, como aconteceu recentemente em Viracopos, sim! Sim, o trânsito vai engarrafar com engavetamentos, falta de socorro às vítimas, corrupção desenfreada e baboseiras de pseudo-especialistas, sim! Sim, os apagões continuarão em ritmo vertiginoso, sim, mas já fechamos a compra de bilhões de velas com a firma indiana Abenga Nuzmhal Nurrabindra.

Sim, vão ficar lindos os estádios com iluminação sutil, bem rastaquera, como nós, sim! Sim, as balas perdidas atingirão crianças inocentes, sim! Sim, os turistas levarão um pau firme, depois do arrastão, sim! Sim, as prostitutas menores de idade enxamearão na orla marítima, exemplos de nosso povo alegre, sem camisinha, e cantaremos até na desgraça, de acordo com o espírito vadio de verdadeiros foliões “camisinha furou, deixaram ela furar/Tô indo pro Gaffrée, onde a festa é de matar”, sim! Sim, uma atendente injetará caipirinha na veia de um torcedor em coma, sim!

Sim, as festas de abertura e encerramento contarão com popozudas, melancias, maracujás de gaveta, e outras barangas de encher as medidas, sim! Sim, o tráfico retomará a Maré, a Chatuba, o Alemão, e, como é mesmo que nos ensinaram a dizer para os gringos?, ah, and so one! Sim, Neymar provocará histeria com novíssimo corte de cabelo, sim! Sim, os árbitros Fifa errarão, com a boçalidade e má-fé habituais, sim! Sim, o zagueiro Pepe, de Portugal (se vier) aleijará um colega de profissão, sim!

Sim, ouviremos risadas do supremo tribuno Marco Aurélio “Collor” de Mello, porque ele tem inúmeros motivos para rir de nós, sim! Sim, assessoras periguetes do Planalto posarão para novas revistas masculinas, aumentando a oferta de empregos, sim! Sim, Hermano “Pancho” Menezes convocará o Imperador como titular em 2014, patrocinado pela vodca Esplenoff. Sim, torturadores impunes pleitearão o direito aos pontapés iniciais. Sim, as chacinas, de seis, nove, doze mortos diários crescerão, a ponto de correrem boatos sobre a necessidade de instaurar toque de recolher. E, sim, demitiremos professoras honestas que postam fotos de alunos com os pés na água da chuva, dentro de salas inundadas, sim!

OBRIGADO, AMIGOS!

Quero simbolizar tantas palavras carinhosas sobre a morte do labrador Batuque, numa única pessoa: Arthur Dapieve, que aturou três meses de emails, às vezes vários por dia, sempre respondendo com bom-senso e afeto. Dapieve não é só um grande escritor, e um editor que, se receber carta-branca, agitará o mercado com a qualidade dos planos que acalenta. Dapieve, mais do que tudo isso, é um ser humano raríssimo.

Texto de Aldir Blanc publicado em "O Globo" de 4 de novembro de 2012. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

Aldir Blanc Mendes nascido no Rio de Janeiro em 2 de setembro de 1946, é um dos grandes compositores e escritores brasileiro.  Notabilizou-se como letrista a partir de suas parcerias com João Bosco, criando músicas como Bala com Bala (sucesso na voz de Elis Regina), O Mestre-Sala dos Mares, De Frente Pro Crime e Caça à Raposa. Uma de suas canções mais conhecidas, em parceria com João Bosco, é O Bêbado e a Equilibrista, que se tornou um hino contra a ditadura militar, também tendo sido gravada por Elis Regina.Em um de seus versos, "sonha com a volta do irmão do Henfil", faz-se referência ao cartunista Henrique de Sousa Filho, o qual na época tinha um irmão, o sociólogo Betinho, em exílio político no exterior.

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