4.11.2016

AS COZINHAS DA FRANÇA


O país onde tiveram origem todos os movimentos que marcaram a história da gastronomia ocidental: o surgimento dos primeiros restaurantes, a sofisticação e o refinamento da alta cozinha clássica, a explosão revolucionária da nouvelle cuisine. De uma maneira ou de outra, a história da cozinha passa por solo francês.

Não é de se estranhar, portanto, que em seus fogões tenham sido criados- ou tenham se consagrado - os grandes mitos: das trufas às ostras ou ao Foie Gras, percorrendo uma gama de preparações e iguarias verdadeiramente interminável. Sem esquecer as eternas obras-primas que são os mágicos suflês ou as variantes dos folhados; ou outras tão populares como o crepe. Como enumerar seus invejáveis queijos e seus vinhos de inúmeras castas e numerosas regiões? Descubram as delícias desta cozinha variada e de enorme criatividade. Bon apetit!

Falar da França equivale a falar, também, de cozinha. Há mais de três séculos que este país tem na gastronomia uma das mais representativas expressões da sua cultura. Não é de se estranhar, portanto, que o hábito de bem comer, com requinte e criatividade, passe, de uma forma ou de outra, por seu território.

Na França, foram criadas receitas e iguarias da culinária ocidental: do foie gras às trufas. Nestas terras, consagraram-se os personagens que nos deixaram criações marcantes, definitivamente as linhas mestras da cozinha ocidental: criadores de pratos, de receitas e de técnicas, divulgadores de modismos culinários e, sobretudo, defensores da contínua busca pelo refinamento e pela sofisticação.

A cozinha francesa surge junto ao mar, ao longo da costa atlântica, e revela, nas regiões do noroeste (Bretanha, Normandia, Flandres, incluindo o Vale do Loire), um painel de extraordinária riqueza. Encontramos ostras espetaculares, mexilhões, mariscos, lagostins, os populares xerelete,sardinha ou cavala, robalos, sem falar das saborosas preparações que usam peixes dos rios do Vale do Loire. De Nantes, na costa atlântica, às terras de Orleans, deleitamo-nos com uma culinária particular, dedicada aos peixes de rio. Uma riqueza notável encontrada nas terras da Normandia são os cordeiros pré-salés da Bretanha, que pastam nos prados banhados pelo salitre do mar com o qual perfumam suas carnes, dando-lhes um toque de distinção.

A manteiga encontra um terreno propício nas regiões do noroeste, do mesmo modo que no norte do país, embora neste último partilhe as cozinhas com a banha de porco. Ass1m, as regiões do norte (Flandres, Ardenas, Alsácia, Lorena ... ) repartem suas preferências entre a carne bovina e a de porco, embora a criatividade possa ir muito mais além, como acontece com o poijevfleisch de Flandres, prato de origem flamenga preparado com vitela, coelho, toucinho - três em um.

A popularidade das hortaliças (couve, repolho, couve-flor), acompanhada da paixão pela batata ou pela beterraba, também caracteriza a gastronomia do Norte.

As regiões do interior têm muito a dizer. Cozinhas por vezes simples e rústiCas, como a da Auvergne, da qual. é um bom exemplo o aligot (purê de batatas e queijo servido com salsichas), e, outras vezes barrocas, como as de Bourbonnais, com seu patê de tartouffes ou, o pato du chambert. É possível que não exista outra região que leve mais a sério a arte culinária que a Borgonha, cujo receituário exibe jóias da cozinha popular do calibre dos gros gris, os guisados de peixe de rio, os cogumelos, as carpas, os caranguejos e, é óbvio, um condimento que deu a volta ao mundo: a mostarda.

Em conjunto com estes, estão as carnes vermelhas do charolais, o presunto de Morvan ou excentricidades como a carne dos pequenos pombos de Bresse.

Quando se fala de cozinha francesa, Lyon tem sempre algo a dizer. Para muitos é a capital gastronómica do país. De qualquer modo, desfruta de uma variedade incomparável: salsichas, salsichões, dobradinha, frango assado com cardo, almôndegas de carpas, fígado de vitela, frango com trufas...

A Savóia, ao abrigo dos contrafortes alpinos, oferece, por sua vez, as suas carnes vermelhas, o leite e os seus derivados, que dão vida a uma notável indústria queijeira. Sem esquecer a riqueza de seus rios e dos seus lagos: trutas, carpas e enguias que nutrem a gastronomia local. A dieta da região é uma dieta de montanha, rica em carboidratos e muito calórica: porco acebolado com polenta (caïon), torta de batatas, ameixa~ pêras secas, passas, ovos e farinha (farcement saboyard), puré de batatas com ovos e ervas finas (farçon). Atrelada ao aroma do alho, as ervas aromáticas e o azeite enriquecem a cozinha da Provença - região que surge no litoral mediterrâneo sem perder de vista os contrafortes alpinos e que dá vida a pratos tão elaborados como a bouillabaisse e tão simples como a salada niçoise - e as gloriosas carnes dos patos cevados das Landas, na costa atlântica .

A cozinha do sul da França caracteriza-se por sua singularidade é  marcada pela proximidade ibérica. Poderia ser dito, inclusive, que há, em determinadas situações uma maior influência espanhola que francesa, como no caso da cozinha d Rossillon; as raridades de Languedoc, lideradas pela notável presença na sua cozinha do azeite de noz (sem esquecer a excelência do cassoulet, uma das grandes versões do cozido francês); a paixão pela lampreia ou pelas enguias (civelles) que demonstram as cozinheiras de Aquitânia; os sabores de Gascogne e Armagnac, com destaque para os cogumelos e as trufas e por uma miríade de guisados. E por fim, a cozinha do país basco francês, possivelmente a mais próxima da Ibéria, berço de ensopados quase elementares, como a piperade ou o garbure, e de sobremesas de renome como o gâteau basque.

Queijos e vinhos

E os queijos? Dizem que os franceses têm um queijo diferente para cada dia do ano. A lista é interminável, embora se mova, preferencialmente, pelos derivados do leite de vaca e, em segundo plano, pelo de cabra. Os queijos de leite de ovelha são relegados a um papel secundário, embora contenham referências tão gloriosas como o rochefort, o mundialmente famoso queijo de massa azul, originário de Rouegue.

Entre os queijos de cabra, é preciso destacar o picodon, de Ardeche ou de Drôme, o pouligny-saint-Pierre e o va!ence, ambos de Berry.

Os queijos de vaca, entretanto, são os de maior expresão.Começando pelos mais populares do mundo, como o camembert da Normandia, o brie, em todas as suas variantes, provenientes da região que lhe atribuiu o nome - o gruyere que nos nossos dias, é produzido em todo o território francês.

Em conjunto com estes, encontramos outros marcantes exemplos como o reb!ochon de Savóia, o comté de Frenche-Comté, o pont-l'évêque da Normandia, o vacherin de Doubs ou o neufchâtel de Bray.

Se os franceses estão em condições de saborear um queijo diferente a cada dia do ano, faltam-lhes dias para provar todos os seus vinhos. O vinho é o grande destaque da gastronomia francesa, o produto que mais bem representa a sua imagem em todo o mundo. Basta recordar os grandes vinhos da região de Bordeaux ou da Borgonha e os grandes espumantes de Champagne ou, também, os vinhos brancos da Borgonha, da Alsácia ou do Vale do Loire.

Há, ainda, as sidras normandas e bretãs, de cuja destilação resulta o delicado calvados. De igual importância, são os apreciados conhaques e armanhaques que constituem, sem dúvida, esplêndido complemento para uma magnífica refeição.

Texto de Ignacio Medina extraido do livro "França" volume 3 da coleção Cozinha País a País publicado pela Folha de S. Paulo, 2007, excertos pp.07-11. Digitado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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