5.29.2017

OS AMORES DE MATA HARI


Um dos seus amantes tinha um plano tipicamente francês para salvá-la no último minuto do pelotão de fuzilamento. Mata Hari, a mais famosa espiã desde Dalila e a cortesã de maior sucesso desde La Pompadour, deveria usar apenas um casaco de peles na manhã de sua execução. Assim que os rifles fossem apontados, ela abriria o casaco de peles... e certamente nenhum homem de sangue quente seria capaz de disparar contra um corpo tão glorioso.

Esse não foi o mais bizarro dos muitos estratagemas imaginados para salvar a vida da mais célebre espiã e cortesã da história. Enquanto ela esperava tranquilamente em sua cela na prisão, exigindo banhos de leite e outros luxos que considerava necessidades, seus amantes conspiravam incessantemente.

Um aviador playboy ofereceu-se para efetuar um voo rasante sobre a prisão de St. Lazaire e bombardear o pelotão de fuzilamento que iria executar sua amada. Maître Clunet, o brilhante advogado de Mata Hari, decidiu recorrer a um expediente técnico para salvá-la no último instante. Pelas leis francesas, nenhuma mulher pode ser executada se está grávida. Ele, o amante de 75 anos, iria alegar que Mata Hari estava grávida de um filho seu.

O plano mais dramático foi o concebido por Pierre de Mortissac, um nobre que esbanjara toda a sua considerável fortuna tentando conquistar o amor da Mata Hari. Pierre tirou a ideia para o seu plano da ópera Tosca. Tencionava subornar os integrantes do pelotão de fuzilamento a usarem balas de pólvora seca. À primeira rajada falsa, sua amante cairia “morta”. Mais tarde, na calada da noite, ele e seus cúmplices iriam tirar o corpo com vida de Mata Hari do túmulo, particularmente raso para que ela não morresse sufocada dentro do caixão.

Mata Hari, sabendo de todos esses planos e de muitos outros, não podia deixar de estar confiante e procurava desfrutar do que a prisão tinha a lhe oferecer, na medida do possível. Mesmo nas horas derradeiras ela procurou divertir seu jovem médico e as duas freiras incrédulas que a velavam. Dançava as suas exóticas danças nuas e regalava os carcereiros com histórias picantes de seu passado...

Foi um passado que recentemente procuraram desmitificar, sem nenhuma razão aparente. A Dançarina dos Sete Véus foi na verdade tudo aquilo que a lenda lhe atribuiu, embora fosse muito mais complexa como criatura. Suas fotografias mostram uma mulher atraente e voluptuosa, com uma sensualidade animal que supera e ofusca todos os possíveis defeitos. Mata Hari sabia como “remexer um corpo esguio e orgulhoso, como Paris jamais vira antes”, conforme observou a escritora francesa Colette. Ela era a personificação do sexo, mas odiava os homens que a adoravam. Os homens pagavam a Mata Hari com dinheiro, segredos, as vidas de outros. Mesmo assim, ela podia traí-los, amando o que os homens lhe davam, mas odiando o que eles julgavam que eram.

Mata Hari não foi sempre assim. Por mais estranho que possa parecer, ela era uma dona-de-casa holandesa inocente e até mesmo insípida, antes de tornar-se espiã. Por trás da fachada proporcionada pelo pseudônimo de "Mata Hari", ela era a prosaica Margaretha Geertruida Zelle. A futura espiã nasceu a 7 de agosto de 1876, numa cidadezinha da Holanda. Os pais religiosos internaram-na num convento católico, quando ela tinha apenas 14 anos. Quatro anos depois, quando estava de férias em Haia, ela conheceu o Capitão Campbell MacLeod, um escocês de boa aparência que servia no Exército Colonial holandês.

O encontro acidental iria mudar a vida dela. Embora tendo mais do que o dobro da idade dela, pois já passara dos 40 anos, esse libertino bêbado conseguiu de alguma forma atrair Margaretha. Casaram-se. Antes mesmo de levá-la para Java, MacLeod já revelou sua natureza essencialmente brutal. Margaretha era espancada constantemente, até mesmo quando estava grávida do primeiro filho. Em determinada ocasião, MacLeod ameaçou-a com um revólver carregado. Ele a traía tão frequentemente que Margaretha foi procurar afeto em outros braços.

Nada ficou registrado dos amores de Margaretha em Java. Sabe-se que ela estudou os Vedas e outros livros orientais, descrevendo as alegrias do amor sensual, e tomou-se adepta das artes que ensinavam. Mais importante ainda foi o fato de que, durante esses anos, ela aprendeu as sugestivas danças rituais que as 'bayas' javanesas apresentavam nos templos budistas. Uma nova personalidade já estava emergindo quando ela praticava suas próprias interpretações dessas danças indonésias.

A transformação tomou-se completa quando o primeiro filho foi envenenado por uma babá que tinha motivos para vingar-se de MacLeod. Margaretha afirmou mais tarde que estrangulou pessoalmente a babá. Seja como for, a morte da criança assinalou o aparecimento de uma nova mulher. Nem o nascimento da filha Banda atenuou o ódio que ela sentia contra MacLeod, a quem culpava pela morte do primeiro filho. Largando o marido depois que a família voltou para a Europa, Margaretha deixou Banda com parentes e iniciou a carreira que iria transformar sua vida numa legenda.

Ninguém sabe realmente em que palco de Paris Margaretha dançou nua pela primeira vez e mentiu ao mundo, dizendo que havia nascido “no Sul da Índia... numa família da casta sagrada de Brama”. Mas foi somente por volta de 1905, cerca de 10 anos depois de sua volta do Oriente, que ela disse ao público, em voz suave e sedutora, que seu nome era Mata Hari, “o Olho da Madrugada”, prometendo apresentar audaciosas danças rituais que nunca antes haviam sido vistas fora dos templos indianos.

Céticos ou não, os editores franceses sabiam reconhecer uma boa notícia. Não demorou muito para que o nome e as fotografias de Mata Hari fossem uma vista comum nos jornais de Paris. As fotografias, é claro, eram tiradas quando ela começava suas apresentações, pois Mata Hari ia tirando os véus diáfanos que a cobriam, até ficar quase que totalmente nua no palco. A única parte do corpo que ela não expunha eram os seios, alegando sempre que o marido os desfigurara de algum jeito. Ela os mantinha cobertos por peitorais de pedras preciosas. Algumas de suas danças eram graciosas, outras lúbricas apenas. Mas todas eram imensamente populares.

Os encantos exóticos de Mata Hari cativaram as cidades mais sofisticadas e finalmente toda a Europa. Os homens lutavam por seus favores e ela sempre atendia... mas nunca por menos de 7.500 dólares por noite, conforme ela própria se gabou em certa ocasião.

Entre os seus incontáveis amantes figuraram o Ministro do Exterior francês Jules Cambron, o Ministro da Guerra francês Messimy, o Príncipe Herdeiro da Alemanha, o Primeiro-Ministro holandês Van der Linden, o Duque de Brunswick e o Ministro do Exterior alemão Von Jagow. Os favores de Mata Hari custavam caro, quer ela exigisse dinheiro, jóias fabulosas ou apartamentos nos Champs Élisées. Quando seus amantes nobres ou milionários acabavam indo à falência, ela os abandonava sem a menor hesitação. Ela gostava do sexo, a tal ponto que foi vista muitas vezes “relaxando” em bordéis parisienses. Mas continuava a odiar os homens.

A não ser por um único amante, um russo cego, Capitão Maroff, de quem sentia pena, Mata Hari achava que os homens serviam apenas para serem usados. A imensa vaidade de Mata Hari desempenhou um papel importante em seu destino, assim como os luxos a que se acostumara. Mas foi o ódio e a crueldade que inspirou que levaram Mata Hari a tornar-se espiã. Essa crueldade ficou perfeitamente patente em sua afirmativa de que matara seu pônei Vichena, cravando um estilete de ouro no coração, quando uma missão exigiu-lhe que deixasse a França por algum tempo. Mata Hari não podia suportar o pensamento de que outra pessoa montasse no pônei.

Ela só se tornou uma espiã alemã porque os alemães lhe pediram primeiro. Sabia que sua popularidade estava definhando quando os alemães a recrutaram, entre 1907 e 1910. Se os franceses lhe tivessem feito uma oferta melhor, ela quase que certamente teria aceitado. Treinada na famosa escola de espionagem de Lorrach, Mata Hari recebeu o número em código de H.21, uma série emitida exclusivamente para os agentes já em operação antes da guerra. Esse número provou, sem a menor sombra de dúvida, que ela fora recrutada antes da guerra e não se juntou ao serviço secreto alemão mais tarde, como parte de um plano de contra-espionagem.

Durante a I Guerra Mundial, Mata Hari fez um bom trabalho para os seus empregadores. O serviço secreto francês desconfiou das atividades dela desde o início, chegando mesmo a aceitar sua colaboração, para melhor vigiá-la. Mas nada podia ser provado.

Sabe-se que Mata Hari informou os alemães sobre o aperfeiçoamento do “navio de terra” britânico, como o tanque era inicialmente conhecido. E sabe-se também que suas informações sobre os planos Aliados para a ofensiva em Chemin des Dames permitiram que os alemães se preparassem devidamente, provocando a morte de 100 mil soldados Aliados, além de 100 mil feridos.

Seriam necessárias páginas e mais páginas para se enumerar as outras traições de Mata Hari, as informações fatais que seu corpo comprava. Ao mesmo tempo, ela só fornecia aos franceses informações sem a menor importância ou que já eram do conhecimento geral. Ninguém sabe a extensão dos danos irreparáveis que ela causou aos Aliados, pois Mata Hari era uma espiã que não deixava' vestígios. Mas ela dançou para milhares, deitou com centenas e arrancou segredos militares de dezenas de homens.

O fim de Mata Hari chegou quando ela foi traída pelos próprios alemães. Era a espiã mais bem paga e tornou-se um incômodo financeiro. Além disso, a crescente vigilância francesa havia afetado consideravelmente sua eficácia. Assim, foi elaborado um plano para entregá-la aos franceses.

O autor do plano foi o Capitão Walter Wilhelm Canaris, que mais tarde se tornaria o chefe do serviço secreto alemão, durante a II Guerra Mundial. Ela foi avisada para apanhar um cheque polpudo por seus serviços numa legação neutra em Paris. Só que os alemães transmitiram a mensagem num código que sabiam já ter sido decifrado pelos franceses. Mata Hari foi presa antes de poder descontar o cheque.

Mata Hari foi julgada por uma corte marcial a 24 de julho de 1917, sob a acusação de espionagem. Tornou-se assim a mais famosa entre os muitos espiões julgados na França durante a histeria provocada pela guerra. Mas parece não haver a menor dúvida de que o promotor francês estava sendo moderado ao afirmar que as atividades dela haviam custado à França pelo menos 50 mil vidas, pois tudo indica que o dobro seria um número mais realista. A corte marcial condenou-a à morte, por unanimidade...

Eram quatro horas da madrugada de 15 de outubro de 1917, quando Mata Hari foi acordada na cela nº 12 de Saint-Lazaire e preparada para o pelotão de fuzilamento. Como todos os planos fantásticos para sua libertação haviam fracassado, a confiança de Mata Hari em sua invencibilidade estava abalada. O idoso Maitre Clunet tentou o estratagema da maternidade. Mas quando o médico veio examiná-la, Mata Hari compreendeu a inutilidade do plano e recusou-se a permitir o exame. Quanto ao plano do casaco de peles, o absurdo era tão evidente que Mata Hari jamais chegou a considerá-lo a sério, a não ser como uma piada para levantar-lhe o moral.

Pediu permissão para escrever três cartas finais. Uma foi para a filha Banda, a quem pediu perdão. Ironicamente, a linda Banda iria mais tarde tornar-se uma espiã, uma segunda Mata Hari que advertiu os Estados Unidos apáticos de que os comunistas preparavam uma invasão na Coreia e que terminou tendo o mesmo destino da mãe.

Mas Mata Hari ainda tinha alguma esperança quando bebeu seu último copo de rum, tradicionalmente determinado pela lei francesa para todos os prisioneiros condenados à morte. Mesmo ao sair para a manhã fria e ser levada para o local de execução, em Vincennes, o imenso ego de Mata Hari ainda devia estar preponderando.

Ela ficou olhando para o pelotão de fuzilamento, enquanto um oficial lia a sentença de morte. Havia recusado a venda. Nenhuma das testemunhas viu o menor vestígio de medo em seu rosto. E foi então que aquela mulher que jamais demonstrara qualquer sinal de emoção exterior, a quem ninguém jamais vira rindo ou chorando, sorriu para os rifles que rebrilhavam à luz da manhã que despontava.

Tal atitude nos induz a pensar que ela tinha certeza de que os rifles continham apenas cartuchos de pólvora seca, que o suborno de Pierre de Mortissac dera certo e que só lhe bastaria bancar a morta. Seja como for, Mata Hari permaneceu empertigada e não se encolheu nem mesmo quando o Major Massard gritou a ordem final. Seus vários amantes, observando entre as testemunhas, talvez alguns no pelotão de fuzilamento, souberam que ela havia morrido apenas porque as cordas que a prendiam ao tronco de uma árvore ficaram subitamente vermelhas. O avião do amante playboy realmente sobrevoou o local, mas chegou atrasado em muitos segundos. Às 5h47min da manhã, o corpo de Mata Hari, o Olho da Madrugada, cujas danças nuas haviam levado tantos inocentes à morte, remexeu-se pela última vez.

Texto traduzido por Alfredo B. Pinheiro de Lemos, publicado em "Almanaque Para Todos" de Irving Wallace e David Wallechinsky, Editora Record, Rio de Janeiro,1975, excertos pp.108-111, vol.II. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.  

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