Os prazeres da mesa
Numa época em que Roma pouco mais era do que uma cidade fortificada, nas margens do rio Tibre, a área que viria a ser o coração do Império, encontrava-se sob o domínio de um povo próspero, que ensinou aos romanos muitas das artes da guerra e da paz.
Dizia, com timida inveja, o filósofo estóico Possidónio, grande viajante para a época, e conhecedor dos territórios da Etrúria: “Põem duas vezes por dia mesas sumptuosas enfeitadas com tapetes multiculoridos e taças de prata de todas as formas; e estes banquetes são servidos por uma multidão de belos escravos que ostentam vestuários preciosos”.
Esta alusão às praticas alimentares dos Etruscos, dá-nos uma ideia do culto da mesa praticado por este povo ancestral. Para um grego como Possidónio causava-lhe certamente estranhesa, o hábito dos Etruscos se sentarem duas vezes por dia à mesa. Na grécia antiga, bem como em Roma, só se fazia uma refeição completa diária.
Escarneciam os Gregos e Romanos àcerca dos Estruscos, culpando-os de benevolentemente se entregarem aos prazeres fáceis.
Uma alimentação variada
A fertilidade do território da Etrúria, aliada às avançadas técnicas agrícolas utilizadas, permitiam uma certa abastança à mesa. De tal forma que as cidades etruscas fornceciam uma grande quantidade de produtos alimentares a Roma. O historiador romano Tito Lívio refere-se, séculos atrás, na sua obra História de Roma, as muitas provisões enviadas pelos Etruscos para alimentar as tropas de Cipião na sua expedição a África.
Os Etruscos levavam à mesa o trigo, a cevada, a espelta e as favas, as ervilhas e as lentilhas. Cultivavam também o milho-miúdo, o milho-painço e sésamo. As favas e o grão-de-bico eram moídos e consumidos sob a forma de farinha ou simplesmente cozidos e água. Ao que tudo indica a fava desempenhava um papel bastante importante na sua alimentação existindo, inclusivamente, sopas à base desde vegetal.
Como povo mediterrânico que eram, os Etruscos cedo se votaram ao plantio da oliveira. Não admira como tal que a azeitona desempenha-se também um papel de alguma relevância na sua alimentação. As azeitonas eram conservadas em ânforas cheias de salmoura.
No campo das carnes a predileção dos Etruscos centrava-se no porco, cuja criação tinha um objectivo exclusivamente alimentar. A carne era geralmente cortada em pedaços e cozida em grandes caldeirões de bronze, provavelmente com legumes e cereais. Também a cozinhavam na grelha ou no espeto.
Os carneiros e as cabras forneciam o leite para o queijo. A criação de bovinos era secundária. Os Etruscos não eram grandes apreciadores da carne de vaca, pelo que os animais eram utilizados, principalmente, em trabalhos agrícolas.
Caso nos fosse possível viajar no tempo e penetrar numa aldeia etrusca, veriamos uma imensa quantidade de galinhas pequenas. Estes animais, com carne de excelente qualidade, forneciam aos Etruscos um dos seus alimentos predileitos: os ovos, uma constante nas cenas que representam os banquetes deste povo.
Os Etruscos completavam a sua dieta alimentar com os proventos da caça e da pesca veados, corças, lebres, raposas, atuns.
O banquete etrusco
Não obstante a dificuldade com que se deparam os investigadores, dados os poucos testemunhos que nos chegaram, é possível graças a escavações arqueológicas, conhecer numerosos utênsilios utilizados pelos Etruscos para a cozedura dos alimentos: fornos, espetos, grelhas, caçarolas, raladores de quieijo, passadores, filtros, facas para a carne, almofarizes e pilões. Todos estes artefactos atestam a importância que este povo atribuía à culinária, não apenas como uma necessidade alimentar, mas também como uma arte com algum requinte. Requinte esse extensível à mesa, através do banquete.
A sua importância era de tal ordem que é raro o túmulo Etrusco, arrancado pelos investigadores ao passado, que não tenha alusões ao assunto. As representações nas paredes relatam-nos todos os passos de preparação dos alimentos. O esquartejar dos animais, a sua confecção, o servir à mesa. Sobre esta empilhavam-se pequenos bolos de trigo, cachos de uvas, algumas romãs. Um servo prostrava-se próximo dos comensáis acompanhando com o toque de flauta a refeição.
Texto publicado no site "Gastronomia Polvo" gravado por LC em 23 de abril de 2002 e aparentemente não mais disponível. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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