Os Egípcios à Mesa
Para a posteridade a civilização egípcia, reinante nas margens do Nilo mais de 3000 anos, deixou magníficos testemunhos em pedra, erigidos para perpetuar o Homem e glorificar os deuses. As pirâmides, o Vale dos Faraós, Carnac, são apenas alguns dos exemplos logo citados de memória quando se pretende referenciar os feitos arquitectónicos deste povo. Há porém, alguns traços do passado mais indeléveis, por vezes, verdadeiros quebra-cabeças para os arqueólogos, ávidos por descobrir os rituais mais banais do dia-a-dia. Os hábitos alimentares dos antigos egípcios são um deles. Ao que tudo indica, os prazeres da mesa, encontravam-se entre as suas prioridades, e deixaram-no expresso para a posteridade. Na escrita hieroglífica, um mesmo sinal – um homem que leva a mão à boca- indica o facto de “falar” e o acto de “comer”. Para os egípcios, dos prazeres da mesa dependiam a saúde e a longevidade. Segundo Edda Bresciani, no livro..., “a opinião comum entendia que um grande comilão só podia estar de boa saúde. O mágico Gedi era um homem de cento e dez anos (a idade ideal), que comia quinhentos pedaços de pão e meio boi por dia, que bebia cem jarros de cerveja e que, por todas estas razões, gozava de boa saúde”. Pela descrição os antigos egípcios não exageravam apenas na monumentalidade dos seus empreendimentos arquitectónicos, mas também nos relatos.
Alguns, mais fundamentados, revelam-nos contudo a opulência alimentar, que rodeava as classes mais abastadas. A ementa da refeição preparada para um faraó da XIX dinastia e para o seu numeroso séquito, durante uma viagem oficial, contemplava 10 000 biscoitos, 1 200 pães asiáticos, 100 cestos de carne seca, 300 peças de carne, 10 gansos, 70 carneiros, entre uma miriade de outros pratos.
É claro que o comum dos mortais, aquele que arrojava com as pedras na construção das pirâmides e vivia em casas miseráveis à sua sombra, tinha uma alimentação infinitamente mais pobre. Os líderes egípcios seguiam contudo uma máxima governativa que afirmava: “um pobre pode transformar-se num inimigo, um homem que vive na necessidade pode transformar-se num rebelde. Acalma-se uma multidão em revolta com comida; quando a multidão está em fúria deve ser guiada até ao celeiro”.
Assim, era garantida a quantidade mínima de alimento ao súbdito. Até porque o estado era excedentário em cereais, bastando para o consumo nacional e para a exportação.
Cevada com 4 000 anos
As planícies do Nilo, periodicamente inundadas, produziam cereais abundantes- trigo, cevada, espelta- há mais de 4 000 anos. Estes serviam de base à alimentação, servindo para fabricar o pão e a cerveja. Esta última, com um elevado teor alcoólico, assemelhava-se à buza, ainda hoje produzida pelos mesmos métodos no Sudão e no Egipto.
o alimento egípcio por excelência, revelou-se a explicação para o elevado número de cáries encontradas pelos arqueólogos nas múmias egípcias. Isto porque no processo de moagem, os grãos eram triturados num almofariz de pedra, misturando-se com pó mineral. Este acabava por ser ingerido com o pão, desgastando os dentes. No Egipto, irrigado pelas águas do Nilo, todas as hortas produziam cebolas, alhos porros e alhos. Á mesa não faltavam também melancias, pepinos e melões. Na alimentação quotidiana entravam o tremoço, o grão-de-bico, as favas e as lentilhas.
No pescado, mais uma vez era o Nilo, sempre generoso, que alimentava ricos e pobres. Nalguns túmulos surgem representadas cenas de pesca, mostrando sargos, peixes-gato, carpas, barbos e enguias. Era comum ver os nobres a pescar à linha nos lagos e tanques dos seus palacetes. Por outro lado, o peixe seco e salgado completava as rações dos soldados.
A dieta dos egípcios ficava completa com o leite e os seus derivados- manteiga e queijos- as entranhas de alguns animais e os bifes. O mel, os condimentos e as especiarias alimentares serviam de complemento...
Sentados à mesa
Segundo...”os egípcios comiam pelo menos três refeições por dia: pequeno almoço, almoço e jantar. Comiam sem talheres, com os dedos. Mas a maneira de estar à mesa evoluiu, pelo menos no que se refere às classes superiores”.
Durante um longo período este povo acocorava-se sobre esteiras ou almofadas diante de uma pequena mesa baixa, sobre a qual se dispunham os alimentos. Mais tarde, os indivíduos das categorias mais elevadas preferiam sentar-se em cadeiras diante de mesas altas, sendo servidas por criados domésticos, encarregados de verter água sobre as mãos dos comensais, no fim da refeição.
Os alimentos vinham para a mesa directamente da cozinha, um espaço fervilhante de criados e utensílios. Para cozinhar os egípcios serviam-se de caçarolas e de sertãs resistentes ao fogo. O serviço de mesa incluía pratos, escudelas, copos de barro cozido de faiança. Se os vivos se sentavam à mesa, os mortos recebiam o alimento no túmulo. As crenças na vida depois da morte, insistiam na necessidade de não recusar alimento aos apetites dos mortos. As orações fúnebres pediam pão e cerveja, aves de criação e bovinos. A ementa de um defunto incluía normalmente: papas de cereais, pequenos pães de cevada, queijo, um peixe cozido e sem cabeça, rins cozidos de carneiro. Um repasto leve quando comparado com os exagerados prazeres à mesa dos vivos.
Texto de Jorge Andrade, publicado no site "Gastronomia Polvo" gravado por LC em 23 de abril de 2002 e aparentemente não mais disponível. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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