6.05.2017

OS VIAJANTES INGLESES NO BRASIL NO INÍCIO DO SÉCULO XIX



Durante o período em que permaneceu no Brasil, D. João revelou-se grande protetor e incentivador da arte e dos artistas. Admirador da pintura e da música, acolheu e incentivou também os viajantes e cientistas, de todas as nacionalidades, que se interessaram em conhecer o Brasil e seu povo.

Os pioneiros

Os primeiros desses viajantes foram os ingleses, que vieram na esteira dos navios que trouxeram a Corte dos Bragança, em janeiro de 1808. Em sua maioria, eram comerciantes preocupados com o bloqueio francês, que gradativamente “estrangulava” as exportações inglesas para a Europa.

John Luccock foi um desses pioneiros. Chegado ao Brasil poucos meses depois da abertura dos portos, logo descobriu que os artigos que trazia não eram adequados a um clima tropical: salvo um ou outro proprietário de terras, deslumbrado com as “ferragens” britânicas, não havia muita saída para patins de gelo ou aquecedores. Além disso, o mercado era ainda muito restrito, sofrendo de uma escassez crônica de moedas. Luccock decidiu então partir para o sul do Brasil, onde não teve melhor sorte, sendo obrigado a liquidar em leilão todo o seu estoque.

Três anos depois, conhecedor do mercado, Luccock regressou à Inglaterra, comprou novo lote de mercadorias e voltou ao Brasil, tendo afinal oportunidade de realizar grandes negócios, que o enriqueceram e o conservaram na América até 1818.

Suas experiências nesses dez anos foram relatadas nas 'Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil' —: um quadro minucioso da vida social brasileira e dos usos e costumes da população, dos acontecimentos políticos e das atividades comerciais.

O cronista das Gerais

John Mawe, outro comerciante e cronista, chegou ao Brasil em 1807, após uma estadia na região platina. No Rio de Janeiro foi bem acolhido pelo príncipe regente, que lhe facilitou o acesso às jazidas de diamantes de Minas Gerais e outras áreas do interior. Entre 1808 e 1811, Mawe percorreu as zonas de extração de minérios e pedras preciosas, reunindo informações mineralógicas e geológicas.

'Viagens ao Interior do Brasil', sua principal obra traduzida para o português, contém as mais valiosas descrições sobre a atividade mineradora no início do século XIX, fornecendo dados sobre as técnicas de extração, o trabalho escravo e a organização social e política das regiões mineiras.

Uma amiga da imperatriz

Nos anos seguintes, outros viajantes ingleses continuaram a frequentar o território brasileiro. Um dos mais importantes, para nossa historiografia, foi uma mulher: Maria Graham, cujos relatos constituem uma fonte preciosa de informações sobre nossa vida social e política no início da Independência.

Professora de literatura de uma turma de guardas-marinhas, Graham veio ao Brasil em 1821, com seu marido; depois retornou à Inglaterra, onde enviuvou; em 1823 decidiu empreender nova viagem ao Brasil, acompanhando lorde Cochrane, mercenário inglês a serviço de D. Pedro nas guerras da Independência. Colocada em contato com a família real, tornou-se amiga da imperatriz Leopoldina, que a convidou para ser governanta de seus filhos.

Essa posição permitiu-lhe conhecer as principais cidades do Brasil, onde colheu numerosas informações sobre os costumes e as idéias políticas das elites regionais e da Corte imperial. Na introdução a seu livro 'Diário de uma Viagem ao Brasil e de uma Estada nesse País durante Parte dos Anos de 1821, 1822 e 1823', Maria Graham tece breves comentários sobre a situação do Brasil e Portugal, demonstrando uma grande sensibilidade em relação aos aspectos políticos da Independência.

A comunidade britânica

Segundo Maria Graham, os ingleses no Rio de Janeiro formavam “um grupo discreto e sóbrio, com uma proporção bem razoável entre bons e maus. Vão regularmente à igreja aos domingos, porque temos uma capela protestante muito bonita no Rio. servida por um respeitável pastor, encontram-se depois da igreja para almoçar e palrar: alguns vão depois a ópera, outros jogam cartas, outros,raros ficam em casa ou passeiam com os seus e instruem-se com suas famílias, pela leitura. Tudo isso muito semelhante ao que se passa na Europa".

O pastor e a capela eram privilégios previstos nos tratados de 1810. A comunidade possuía também um cemitério próprio, na pequena enseada da Gamboa.

Segundo John Luccock, o primeiro enterro realizou-se ali, em abril de 1811. A exemplo das demais comunidades estrangeiras, a inglesa era integrada sobretudo por negociantes, que habitavam preferencialmente na Tijuca, em Santa Teresa e outras áreas distantes do centro do Rio; muitos possuíam casas de campo e fazendas fora das cidades.

George Gardner, botânico que esteve no Brasil em 1837, descreve a propriedade de um inglês chamado March, na serra dos Órgãos — “uma estância para criação de cavalos e mulas, bem como uma grande plantação de hortaliças, que fornece regularmente ao mercado do Rio vegetais europeus. Nessa propriedade edificaram-se várias casas de campo, que são ocupadas por famílias inglesas do Rio nos meses de calor”.

Texto publicado em "Saga - A Grande História do Brasil", Abril Cultural, São Paulo, 1981, editor Victor Civita, vol.3, Império (1808-1870) p.36-37. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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