2.07.2018
NOSSO SENSO MORAL TEM ORIGEM DARWINIANA?
Vários livros, como "Why good is good" [Por que o bom é bom], de Robert Hinde, The science of good and evil [A ciência do bem e do mal], de Michael Shermer, Can we be good without God? [Podemos ser bons sem Deus?], de Robert Buckman, e Moral minds [Mentes morais], de Marc Hauser, argumentaram que nosso senso de certo e errado pode ser resultado de nosso passado darwiniano. Essa seção representa a minha visão sobre esse argumento. À primeira vista, a idéia darwiniana de que a evolução é impulsionada pela seleção natural parece inadequada para explicar bondades como a que possuímos, ou nosso sentimento de moralidade, decência, empatia e piedade. A seleção natural explica com facilidade a fome, o medo e o desejo sexual, que contribuem diretamente para nossa sobrevivência ou para a preservação de nossos genes. Mas e a compaixão arrebatadora que sentimos quando vemos uma criança órfã chorando, uma viúva idosa desesperada de solidão ou um animal ganindo de dor? O que nos fornece o fortíssimo impulso de mandar uma doação anônima em dinheiro ou roupas para vítimas do tsunami do outro lado do mundo, que jamais encontraremos, e que dificilmente devolverão o favor? De onde vem o Bom Samaritano que existe em nós? A bondade não é incompatível com a teoria do "gene egoísta"? Não. Esse é um equívoco comum na compreensão da teoria: — um equívoco perturbador (e, analisando em retrocesso, previsível).( Fiquei mortificado quando li no The Guardian ("Animal Instincts", 27 de maio de 2006) que O gene egoísta é o livro favorito de Jeff Skilling, CEO da malfadada Enron Corporation, e que ele se inspirou numa característica do darwinismo social tirada dele. O jornalista do The Guardian Richard Conniff dá uma boa explicação sobre o equívoco: http://money.guardian.co.uk/workweekly/story/ 0,,1783900,00.html. Tentei impedir equívocos de interpretação semelhantes em meu novo prefácio à edição de trigésimo aniversário de O gene egoísta, recém-lançada pela Oxford University Press.)
É necessário colocar a ênfase na palavra certa. O gene egoísta é a ênfase correta, pois contrasta com o organismo egoísta, digamos, ou a espécie egoísta. Deixeme explicar. A lógica do darwinismo conclui que a unidade na hierarquia da vida que sobrevive e passa pelo filtro da seleção natural tenderá a ser egoísta. As unidades que sobrevivem no mundo serão aquelas que forem bem-sucedidas em sobreviver em detrimento de seus rivais em seu próprio nível de hierarquia. É precisamente isso o que egoísta quer dizer nesse contexto.
A questão é: qual é o nível da ação? A idéia do gene egoísta, com a ênfase devidamente aplicada na palavra gene, é que a unidade da seleção natural (isto é, a unidade do egoísmo) não é o organismo egoísta, nem o grupo egoísta ou a espécie egoísta ou o ecossistema egoísta, mas o gene egoísta. É esse gene que, na forma de informação, ou sobrevive por muitas gerações ou não sobrevive. Diferentemente do gene (e talvez do meme), o organismo, o grupo e a espécie não são o tipo certo de entidade para funcionar como unidade nesse sentido, porque não fazem cópias exatas de si mesmos, e não competem num universo de unidades auto-replicantes. Isso é exatamente o que os genes fazem, e essa é a justificativa — essencialmente lógica — para destacar o gene como a unidade de "egoísmo" no sentido especial e darwiniano de egoísmo.
O modo mais óbvio de os genes garantirem sua sobrevivência "egoísta" em relação a outros genes é programando organismos isolados para que eles sejam egoístas. Há muitas circunstâncias em que a sobrevivência de um organismo isolado favorecerá a sobrevivência dos genes que viajam dentro dele. Mas circunstâncias diferentes favorecem táticas diferentes. Existem circunstâncias — que não são especialmente raras — em que os genes garantem sua sobrevivência egoísta influenciando os organismos a agir de forma altruísta. Essas circunstâncias são hoje bastante bem compreendidas e encaixam-se em duas categorias principais. Um gene que programa organismos isolados para favorecer seus parentes genéticos é estatisticamente mais propenso a beneficiar cópias de si mesmo.
A freqüência de um gene como esse pode aumentar, no universo genético, até o ponto em que o altruísmo entre os pares se transforme em norma. Tratar bem o filho dos outros é o exemplo óbvio, mas não é o único. Abelhas, vespas, formigas, cupins e, em menor proporção, determinados vertebrados como o rato-toupeira pelado, os suricatos e os pica-paus bolotei-ros desenvolveram sociedades em que os irmãos mais velhos tomam conta dos mais novos (com quem eles provavelmente compartilham os genes para cuidar). Em geral, como mostrou meu falecido colega W. D. Hamilton, os animais tendem a cuidar de familiares, defendê-los, dividir recursos com eles, adverti-los de perigos e mostrar altruísmo em relação a eles por causa da probabilidade estatística de que aquele parente tenha cópias dos mesmos genes.
O outro tipo principal de altruísmo para o qual há uma razão darwiniana bem explicada é o altruísmo recíproco ("Coce as minhas costas que eu coço as suas"). Essa teoria, apresentada pela primeira vez na biologia evolutiva por Robert Trivers, e freqüentemente expressa na terminologia matemática da teoria dos jogos, não se apoia no compartilhamento de genes. Na verdade, ela funciona tão bem quanto, e talvez até melhor, entre membros de espécies totalmente diferentes, situação em que muitas vezes é chamada de simbiose.
O princípio é a base de todo o comércio e dos escambos também para os seres humanos. O caçador precisa de uma lança e o ferreiro quer carne. A assimetria serve de intermediária para o acordo. A abelha precisa de néctar e a flor precisa da polinização. As flores não voam, portanto pagam às abelhas, na moeda do néctar, pelo aluguel de suas asas. Pássaros chamados indicadores encontram as colmeias de abelhas, mas não conseguem penetrar nelas. Os rateis conseguem entrar nas colmeias, mas não têm asas para procurá-las. Os indicadores levam os rateis (e às vezes os homens) até o mel com um voo especialmente chamativo, que não tem nenhum outro objetivo.
Os dois lados beneficiam-se com a transação. Pode haver um pote de ouro sob uma pedra que seja pesada demais para ser removida pelo autor da descoberta. Ele pede a ajuda de outras pessoas, mesmo que tenha de dividir o ouro, porque sem a ajuda ficaria sem ouro nenhum. Os reinos vivos estão cheios desses relacionamentos mutualistas: búfalos e pica-bois, lobélias e beija-flores, garoupas e bodiões-limpadores, vacas e os microorganismos de seu sistema digestivo. O altruísmo recíproco funciona por causa das assimetrias nas necessidades e na capacidade de satisfazê-las. É por isso que ele funciona especialmente bem entre espécies diferentes: as assimetrias são maiores. Entre os seres humanos, as duplicatas e o dinheiro são dispositivos que permitem um intervalo de tempo entre as transações. Os dois lados do negócio não precisam entregar os bens simultaneamente, mas podem ficar devendo para o futuro, ou mesmo negociar a dívida com outras pessoas.
Que eu saiba, nenhum animal não humano possui um equivalente direto do dinheiro. Mas a memória da identidade individual faz o mesmo papel, de maneira mais informal. Morcegos vampiros descobrem em que outros indivíduos de seu grupo social podem confiar, quem paga suas dívidas (em sangue regurgitado) e quais são os que trapaceiam. A seleção natural favorece os genes que predisponham os indivíduos, em relacionamentos em que haja necessidade assimétrica e oportunidade, a ajudar quando podem, e a solicitar favores quando não podem. Ela também favorece a tendência a lembrar-se de obrigações, a guardar ressentimentos, a policiar relacionamentos de troca e a punir traidores que aceitam favores, mas não os fazem quando chega sua vez. Pois sempre haverá traidores, e as soluções estáveis para os enigmas de altruísmo recíproco da teoria dos jogos sempre envolvem um elemento de punição para os traidores.
A teoria matemática permite duas categorias amplas de solução estável para "jogos" desse tipo. "Trair sempre" é estável porque, se todo mundo fizer isso, um indivíduo isolado que seja honesto não vai se dar bem. Mas existe outra estratégia que também é estável. ("Estável" quer dizer que, uma vez que ela supere determinada frequência numa população, nenhuma alternativa se sai melhor.) É a estratégia "Comece sendo legal, e dê aos outros o benefício da dúvida. A seguir pague as boas ações com boas ações, mas vingue-se das más ações".
Na terminologia da teoria dos jogos, essa estratégia (ou família de estratégias relacionadas) possui vários nomes, como Tit for Tat, olho por olho ou de replicadores. Ela é evolutivamente estável sob certas condições no sentido em que, tomando-se uma população dominada por replicadores, nenhum indivíduo traidor, e nenhum indivíduo incondicionalmente cooperativo, terá vantagem. Existem outras variações mais complexas de olho por olho que sob algumas circunstâncias podem ter vantagem.
Mencionei o relacionamento familiar e a reciprocidade como os pilares gémeos do altruísmo num mundo darwiniano, mas existem estruturas secundárias que se apoiam nesses pilares. Especialmente na sociedade humana, com a linguagem e as fofocas, a reputação é importante. Um indivíduo pode ter reputação de bondade e generosidade. Outro indivíduo pode ter reputação de não ser confiável, por trapacear e descumprir acordos. Outro pode ter reputação de generosidade quando a confiança já se consolidou, mas de punir impiedosamente as traições. A teoria bruta do altruísmo recíproco prevê que animais de qualquer espécie baseiem seu comportamento na resposta inconsciente a essas características em seus iguais.
Nas sociedades humanas, ainda há o poder que a linguagem tem para espalhar reputações, normalmente na forma de fofoca. Você não precisa ter sido pessoalmente vítima do fato de o fulano não ter querido pagar as bebidas no bar quando chegou a vez dele. Ouve "boatos" de que fulano é mão-de-vaca, ou — para acrescentar uma complicação irónica ao exemplo — que sicrano é um fofoqueiro incorrigível. A reputação é importante, e os biólogos reconhecem o valor de sobrevivência darwiniana não só em ser um bom replicador, mas também em cultivar uma reputação de bom replicador. O livro As origens da virtude, de Matt Ridley, além de ser uma explicação lúcida sobre o campo da moralidade darwiniana, é especialmente bom no que diz respeito à reputação.
O economista americano de origem norueguesa Thorstein Veblen e, de um jeito bastante diferente, o zoólogo israelense Amotz Zahavi acrescentaram uma idéia ainda mais fascinante. A doação altruísta pode ser uma propaganda de dominância ou superioridade. Os antropólogos conhecem esse fenómeno como Efeito Potlatch, o nome do costume pelo qual chefes rivais de tribos do noroeste do Pacífico competem entre si em duelos de festas de uma generosidade destrutiva. Nos casos extremos, o entretenimento retaliatório prossegue até que um dos lados esteja reduzido à penúria, e o vencedor não fica numa situação muito melhor.
O conceito de Veblen de "consumo conspícuo" tem grande impacto sobre vários observadores do cenário moderno. A contribuição de Zahavi, desprezada por muitos anos pelos biólogos, até ser ratificada pelos brilhantes modelos matemáticos do teórico Alan Grafen, oferece uma versão evolutiva da idéia do potlatch. Zahavi estuda zaragateiros-árabes, pequenos pássaros marrons que vivem em grupos sociais e reproduzem-se de forma cooperativa. Como muitos passarinhos, os zaragateiros dão gritos de alerta e também doam alimentos entre si. Uma investigação darwiniana-padrão sobre tais atos de altruísmo procuraria, em primeiro lugar, por relações de replicação e de laços familiares entre os pássaros. Quando um zaragateiro alimenta seu companheiro, faz isso na expectativa de ser alimentado depois?
Ou o beneficiário do favor é um parente genético próximo? A interpretação de Zahavi é radicalmente surpreendente. Os zaragateiros dominantes afirmam sua dominância alimentando os subordinados. Para usar o tipo de linguagem antropomórfica que Zahavi adora, o pássaro dominante está dizendo o equivalente a: "Olhe como sou superior em relação a você, posso até lhe dar comida". Ou:, "Olhe como sou superior, posso até ficar vulnerável de propósito às águias parando num ramo alto, agindo como sentinela para alertar o resto do grupo que está comendo no chão". As observações de Zahavi e seus colegas sugerem que os zaragateiros competem ativamente pelo perigoso papel de sentinela. E, quando um zaragateiro subordinado tenta oferecer comida a um indivíduo dominante, a aparente generosidade é rejeitada com violência. A essência da idéia de Zahavi é que a propaganda de superioridade ganha autenticidade por seu custo. Só um indivíduo genuinamente superior pode se dar ao luxo de propagandear esse fato como um presente caro. Os indivíduos compram o sucesso, por exemplo na atração de parceiros, através de demonstrações caras de superioridade, incluindo a generosidade ostentatória e as situações de perigo cujo objetivo é ser vistas pelo público.
Temos agora quatro bons motivos darwinianos para que os indivíduos sejam altruístas, generosos ou "morais" uns com os outros. Em primeiro lugar, há o caso especial do parentesco genético. Em segundo, há a replicação: o pagamento dos favores recebidos, e a execução de favores "antecipando" seu pagamento. Depois desses vem, em terceiro lugar, o benefício darwiniano de adquirir uma reputação de generosidade e bondade. E, em quarto, se Zahavi estiver certo, vem o benefício adicional específico da generosidade conspícua, como forma de comprar uma propaganda autêntica e impossível de falsificar.
Pela maior parte de nossa pré-história, os seres humanos viveram sob condições que teriam favorecido fortemente a evolução de todos os quatro tipos de altruísmo. Morávamos em aldeias, ou, antes, em bandos nómades independentes como os dos babuínos, parcialmente isolados em relação a bandos ou aldeias vizinhos. A maioria dos outros membros de nosso bando teria sido formada por familiares, com uma relação mais próxima a você que os membros de outros bandos — muitas oportunidades para a evolução do altruísmo familiar. E, parente ou não, você tenderia a encontrar sempre os mesmos indivíduos ao longo de sua vida — condições ideais para a evolução do altruísmo recíproco. Essas também são as condições ideais para a construção de uma reputação de altruísmo, e ao mesmo tempo as condições ideais para propagandear a generosidade conspícua. Por qualquer um desses quatro caminhos, as tendências genéticas para o altruísmo teriam sido favorecidas nos primeiros seres humanos. Dá para entender com facilidade por que nossos ancestrais pré-históricos seriam bons com seu próprio grupo mas cruéis — até o ponto da xenofobia — para com outros grupos. Mas por que — agora que a maioria de nós mora em grandes cidades, onde não somos mais cercados pelos parentes, e onde todo dia encontramos indivíduos que nunca mais veremos na vida —, por que ainda somos tão bons uns com os outros, e às vezes até com outros que se imaginaria pertencerem a um grupo de fora?
É importante não exagerar o alcance da seleção natural. A seleção não favorece a evolução de uma consciência cognitiva sobre o que é bom para os seus genes. Essa consciência teve de esperar pelo século XX para alcançar o nível cognitivo, e mesmo agora o entendimento pleno está confinado a uma minoria de especialistas em ciência. O que a seleção natural favorece são regras gerais, que funcionam na prática para promover os genes que as constróem. As regras gerais, por natureza, às vezes dão errado. No cérebro de um pássaro, a regra "Cuide das coisinhas pequenas que piam em seu ninho, e jogue comida no biquinho aberto delas" normalmente tem o efeito de preservar os genes que criam essa regra, porque os objetos piantes de biquinho aberto no ninho de um pássaro adulto costumam ser sua própria cria. A regra dá errado se outro filhote de passarinho conseguir entrar no ninho, uma circunstância usada de forma positiva pelos cucos. Não é possível que nossos impulsos de Bom Samaritano sejam erros, análogos ao equívoco dos instintos paternos de um rouxinol-dos-caniços que se esforça para alimentar um jovem cuco? Uma analogia ainda mais próxima é o impulso humano de adotar uma criança. Devo me apressar a dizer que "erro" refere-se apenas ao sentido estritamente darwiniano. Não carrega nenhum tom pejorativo.
A idéia do "erro" ou do "subproduto", que estou adotando, funciona assim. A seleção natural, nos tempos ancestrais, quando vivíamos em bandos pequenos e estáveis como o dos babuí-nos, programou impulsos altruístas em nosso cérebro, junto com impulsos sexuais, impulsos de fome, impulsos xenofóbicos, e assim por diante. Um casal inteligente pode ler Darwin e saber que o motivo último de seus impulsos sexuais é a procriação. Eles sabem que a mulher não ficará grávida porque está tomando pílula. Mesmo assim seu interesse sexual não fica diminuído por esse conhecimento. Desejo sexual é desejo sexual, e sua força, na psicologia individual, independe da pressão darwiniana que o provocou. É um forte impulso que existe de forma independente de sua explicação racional.
Estou sugerindo que a mesma coisa aconteça com a bondade — com o altruísmo, a generosidade, a empatia, a compaixão. Nos tempos ancestrais, só tínhamos a oportunidade de ser altruístas em relação aos parentes próximos e a potenciais replicadores. Hoje essa restrição não existe mais, mas a regra geral persiste. Por que não persistiria? É a mesma coisa que o desejo sexual. Não podemos fazer nada para deixar de sentir pena quando vemos um desafortunado chorando (que não seja nosso parente e não seja capaz de retribuir), assim como não podemos fazer nada para deixar de sentir desejo por um integrante do sexo oposto (que pode ser estéril ou incapaz de se reproduzir). As duas situações são "erros", equívocos darwinianos: equívocos abençoados e maravilhosos.
Não encare, nem por um segundo, essa darwinização como desmerecedora das nobres emoções da compaixão e da generosidade. Nem do desejo sexual. O desejo sexual, quando canalizado pelos conduítes da cultura lingüística, ressurge na forma de grandes obras de poesia e de dramaturgia: os poemas de amor de John Donne, por exemplo, ou Romeu e Julieta. E é claro que a mesma coisa acontece com o redirecionamento equivocado da compaixão baseada no parentesco e na retribuição. A piedade em relação a um devedor, quando vista fora de contexto, é tão antidarwiniana quanto adotar o filho de outra pessoa:
A qualidade da misericórdia não é forçada. Ela cai como a chuva mansa dos céus sobre o que está embaixo.
O desejo sexual é a força que impulsiona uma grande proporção da ambição e do esforço humanos, e boa parte dela constitui um erro. Não há nenhum motivo para que o mesmo não possa acontecer com o desejo de ser generoso e piedoso, se essa é a conseqüência equivocada da vida nas aldeias de nossos ancestrais. A melhor maneira de a seleção natural imprimir os dois tipos de desejo nos tempos ancestrais foi instalando regras gerais no cérebro. Essas regras ainda nos influenciam hoje em dia, mesmo quando as circunstâncias as tornam inadequadas a suas funções originais.
Essas regras gerais ainda nos influenciam, não de uma forma calvinisticamente determinista, mas filtradas pelas influências civilizadoras da literatura e dos costumes, da lei e das tradições — é, é claro, da religião. Assim como a regra cerebral primitiva do desejo sexual passa pelo filtro da civilização para ressurgir nas cenas românticas de Romeu e Julieta, as regras primitivas do "nós-contra-eles" no cérebro ressurgem na forma das batalhas entre os Capuleto e os Montecchio; enquanto as regras primitivas do cérebro de altruísmo e empatia acabam provocando o equívoco que nos anima na reconciliação punitiva da cena final de Shakespeare.
Texto de Richard Dawkins em " Deus, um Delirio" Companhia das Letras, São Paulo, excertos pp.224-233. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa

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