5.12.2018
A DESCOBERTA DA PATERNIDADE
Quando abandonaram a caça, os homens começaram a participar das atividades das mulheres. Inicialmente, ajudavam na árdua tarefa de desbravar a terra com enxadas de madeira, o que exigia bastante força física. Tempos depois, domesticaram os animais e os incorporaram à agricultura, usando um arado primitivo. A convivência cotidiana com os animais fez com que percebessem dois fatos surpreendentes: as ovelhas segregadas não geravam cordeiros nem produziam leite, porém, num intervalo de tempo constante, após o carneiro cobrir a ovelha, nasciam filhotes. A contribuição do macho para a procriação foi, enfim, descoberta, mas não apenas isso. Os homens perceberam que um carneiro podia emprenhar mais de 50 ovelhas! Com um poder similar a esse, o que o homem não conseguiria fazer?
Não é difícil imaginar o impacto dessa revelação para a humanidade. Após milhares de anos acreditando que a fertilidade e a fecundação eram atributos exclusivamente femininos, os homens constatam, surpresos, que o que fertiliza uma mulher é uma substância nela colocada: o sêmen do macho! A partir daí, há uma ruptura na história da humanidade. Transformam-se as relações entre homem e mulher, assim como a arte e a religião. O homem, enfim, descobriu seu papel imprescindível num terreno em que sua potência havia sido negada.
A reação masculina eclodiu com a força e a ira de quem fora durante muito tempo enganado. O homem foi desenvolvendo um comportamento autoritário e arrogante. Daquele parceiro igualitário de tanto tempo, a mulher assistiu ao surgimento do déspota opressor. A superioridade física encontra, então, espaço para se estender à superioridade ideológica.
Diminui a importância da mulher
No período Neolítico, surgiram dois tipos de sociedade: a agrícola e a pastoril. A primeira era fixada à terra que cultivava e a alimentação era o produto da lavoura. Na pastoril, vagavam pelas planícies, buscando melhores pastagens. A sobrevivência dependia dos rebanhos.
Entre 4400 e 2900 a.C, os agricultores da Mesopotâmia, do Egito e do Noroeste da índia sofreram três invasões de ondas migratórias de pastores das estepes ou povo kurgo. As ondas kurgas varreram a Europa, suplantando as culturas pacíficas lá estabelecidas. Ao interromperem um longo período de desenvolvimento estável, de parceria, impuseram um sistema totalmente diferente de organização social, em cuja essência "havia a importância do poder que toma vida, em vez de dá-la".
As tribos invasoras eram guerreiras, dominadas pelo homem, com religiões também dominadas por deuses masculinos. Seus mitos e crenças penetraram nas estruturas sociais existentes. Foram ampliando seus domínios. À medida que as riquezas aumentavam, o homem ia se tornando mais importante que a mulher. Da mesma forma que a filiação passou a ser masculina, a herança, também. O homem apoderou-se da direção da casa. As colônias agrícolas foram se expandindo e era necessário mais gente para trabalhar. Quanto mais filhos, melhor. As mulheres, fornecedoras da futura mão-de-obra, passaram a ser encaradas como objetos e tornaram-se mercadorias preciosas. Eram trocadas entre as tribos ou, se não fosse possível, roubadas. O sexo feminino, representado pela mulher e pela Deusa, foi gradualmente sendo despojado do seu poder. Num estudo atual de 853 culturas, apenas 16% são monogâmicas.
Isso significa que 84% das sociedades humanas permitem ao homem ter mais de uma esposa de cada vez — sistema denominado poligamia. O Livro dos recordes aponta Moulay Ismael, imperador do Marrocos, como o homem que teve o maior harém de que se tem registro. Ele tem 888 filhos com suas várias esposas. Alguns imperadores chineses tiveram relações sexuais com mais de mil mulheres que, num rodízio cuidadoso, eram colocadas no quarto do imperador quando estavam no período fértil.
A DEUSA E A MULHER
A Deusa se casa
Num primeiro momento, após a descoberta da participação do homem na procriação, tanto o poder do pai como o da mãe eram reconhecidos. A Deusa ainda era venerada, mas um deus masculino e viril desponta para lhe fazer companhia. Da condição inicial de subordinado, passa mais tarde à de amante da Deusa. Inicialmente concebido como acontecimento temporário, o casal divino passou depois a ser considerado casado para a eternidade. 14 Vários mitos do casal divino fazem a associação dele com ritos de fertilidade, deixando claro que, nessa época, já estavam bastante conscientes do papel do homem na procriação. O coito sagrado do Deus e da Deusa era encenado pela sacerdotisa do templo e pelo sacerdote ou rei, escolhidos por vontade divina. Celebravam o mistério do sexo e da fertilidade da natureza.
Gradualmente, os deuses foram adquirindo mais poder, que aumentava na mesma proporção em que o desequilíbrio se tornava evidente nas relações entre homem e mulher.
Ísis e Osíris, um casal divino, apareceu no Egito durante o III milênio. Seu casamento simbolizava a união da água (Nilo) e da terra.
Osíris era o espírito do grão e da água, Ísis, grande deusa da fecundidade universal. Em seus amores, fecundam toda a natureza. Há, entretanto, um desvio dos poderes femininos. É Osíris e não Ísis quem revela aos homens todas as plantas, alimentícias e têxteis, a arte da agricultura e da irrigação.
A Deusa é destronada
A Deusa passou a ter um parceiro. Inicialmente, ainda era saudada como a mais importante do casal, mas, num processo de transição gradual, o culto da fecundidade da Terra-Mãe é definitivamente substituído pelo do herói-guerreiro. O homem recupera seu prestígio perdido desde que deixara de ser caçador para se dedicar à agricultura.
Agora, ele volta a arriscar a vida na conquista de novos territórios. Após ter sido venerada por milhares de anos, a grande Deusa, a Mãe, que já ocupava o papel de esposa subalterna, acaba sendo destronada. Não há mais lugar para ela no cenário divino,17 sendo substituída por divindades masculinas que encarnam o princípio fálico.
As novas lendas mitológicas acompanham as novas estruturas mentais dessa época de transição. Entre os celtas, o Sol, antes uma potência feminina, torna-se Deus-Sol, substituindo a deusa primitiva, relegada à categoria de astro frio e estéril, a Lua. Com a Deusa-Porca ou com a Deusa-Javali, lendas celtas, dá-se o mesmo. Inicialmente, elas simbolizavam a prosperidade e o amor. Os homens, entretanto, rejeitarão a imagem da boa deusa e só manterão a imagem de uma sexualidade desvalorizada, ligada à idéia de sangue e podridão. A Deusa-Porca tornou-se a Porcalhona, com todo o sentido pejorativo dessa palavra. A Deusa-Corça, que simbolizava a fecundidade, dá lugar ao Deus-Cervo.
As grandes deusas também são substituídas. Ishtar, deusa babilônica, tornou-se um deus masculino, com o nome de Ashtar.
Entre os árabes, as três deusas, Al-Lat, Al-Uzza e Al-Manat, tinham um grande poder. Para que Alá e o Islã triunfassem, era necessário que elas deixassem de existir. Maomé não teve outra saída. As deusas foram eliminadas verbalmente e seus santuários destruídos.
Na mitologia grega, as deusas Hera, Atena e Deméter dominavam o panteão. Zeus as colocou sob suas ordens e passou a manter todas as divindades sob seu poder.
De maneira geral, as deusas foram destronadas à força pela nova ordem instituída. Entretanto, há exceções, como o mito kikuyu, em que as mulheres foram destronadas pela astúcia masculina. Elas eram cruéis guerreiras, poliandras e mais fortes que os homens. Um dia, eles se juntaram e conceberam um plano: no mesmo dia, todos copularam com suas mulheres, que acabaram ficando grávidas e, assim, os homens lhes tomaram o poder, proibiram a poliandria e instituíram a poligamia.
A mulher perde a liberdade sexual
A procriação exige a participação dos dois sexos. Surge a noção do casal. O filho não está mais ligado exclusivamente à mãe. O homem pode agora dizer, orgulhoso: "Meu filho", e deixar sua herança para ele. Mas, para que isso seja realmente possível, a mulher só pode fazer sexo com ele. Instala-se, então, o controle da fecundidade da mulher. Estando calcada num fato biológico, a procriação, esse controle é constituído como universal e eterno. A liberdade sexual da mulher, característica de épocas anteriores, sofre sérias restrições. Com o homem é diferente. Da mesma forma que o carneiro emprenha 50 ovelhas, ele também pode ter um harém, se desejar.
Para garantir a fidelidade da mulher e, por conseguinte, a paternidade dos filhos, ela passa a ser propriedade do homem. Puni-la severamente, ou mesmo matá-la, é considerado simplesmente o exercício de um direito.
Culto ao falo
A partir da descoberta da paternidade, o sexo tornou-se tema de grande importância para a religião. A segurança presente e futura estava calcada na fertilidade da lavoura, do rebanho e da mulher, sendo a preocupação principal das comunidades agrícolas e pastoris. Como muitas vezes a lavoura não produzia o que se desejava e o ato sexual nem sempre levava à gravidez, a religião e a magia eram constantemente invocadas. A fertilidade era tudo, e a fertilidade humana e a dos campos estavam estreitamente ligadas. A Deusa-Mãe do período Neolítico era seu símbolo supremo. Seu ventre grávido representava os campos férteis. Várias imagens expressam sua natureza bissexual, indicando o princípio masculino e o feminino. Em muitas estatuetas é mostrada com o pescoço e a cabeça alongados, como um falo, que simboliza regeneração e metamorfose.
Num determinado momento da história, os princípios masculino e feminino se separaram. Na arte, na religião e na vida. O princípio fálico, ideologia da supremacia do homem, condicionou o modo de viver da humanidade.
No auge da expansão agrícola, a contribuição das mulheres ainda era grande, e elas eram reverenciadas pela fertilidade associada à terra.
Mas... os homens começaram a abrir a terra a fim de prepará-la para o plantio. A associação simbólica do arado com a força de arar a terra e prepará-la para a semeadura constitui um paralelo com o pênis. O órgão masculino rapidamente assume uma posição preponderante. O homem se vê transformado em fertilizador da terra. Afirmando que era seu sêmen que implantava a vida no útero da mulher, o homem passou a considerá-la uma simples caverna protetora. Sua função era propiciar a germinação e o crescimento da vida até estar pronta para vir ao mundo.
O pênis tornou-se o objeto natural de adoração e fé religiosa. Na qualidade de phallos, era reverenciado da mesma forma que o órgão feminino o fora durante milênios. O fenômeno do culto fálico se espalhou por todo o mundo antigo. Não se sabe ao certo onde e quando começou. É muito provável que essa idéia tenha surgido espontaneamente, em diferentes partes.
Originalmente, o elemento sexual na religião estava associado aos genitais femininos. No Egito, por exemplo, atribuíam poderes mágicos a uma conchinha, que mais tarde passou a ser usada como moeda.
Posteriormente, o elemento sexual da religião tomou a forma de culto fálico. Apesar de muitas polêmicas, sinais de adoração fálica sobreviveram até a Idade Média.
O culto do órgão sexual masculino como reservatório do poder criador tornou-se universal. A migração dos povos era uma constante. O culto ao falo atravessa o estreito de Bering com os precursores dos índios norte-americanos. Antes da chegada dos brancos, os pilares fálicos de lucatã, no México, já estavam lá. Encontramos também as cabeças fálicas das ilhas orientais. Esse culto pode ser rastreado desde o culto oriental do Lingam-Yoni até o Baal, de Canaã; do Japão até Éfeso, e mesmo no símbolo esculpido em forma de pênis ereto numa igreja de Bordeaux.
Um dos antigos símbolos do pênis é o Ankh. Pode ser encontrado nos altos-relevos dos templos e túmulos egípcios. Geralmente esses objetos aparecem nas mãos dos faraós ou dos deuses e tocam os lábios das pessoas representadas.
O culto fálico decaiu e desapareceu como fonte religiosa, mas em Londres, ainda hoje, existe uma sociedade que se reúne periodicamente para celebrar seus ritos particulares do pênis. Muitos desses ritos são flagrantemente de ordem sexual em sua execução, e o grupo está em contato com outros, localizados no país e no exterior.
As antigas civilizações tinham uma atitude bastante diferente da nossa diante da nudez e do sexo. Desconheciam o conceito de obscenidade. Por mais que as imagens dos órgãos sexuais masculinos e femininos fossem exageradas e distorcidas, eram encaradas com naturalidade. Muitos santuários espalhados pelo mundo mostram representações de vulvas e falos, inclusive com deuses possuidores de falos monumentais. Essa valorização do pênis ereto de grandes proporções permanece bastante atual em nossos dias. O comprimento, a grossura e a rigidez do pênis, assim como o desempenho sexual, são causas de constante preocupação e, não raro, sofrimento para o homem atual. O culto ao falo continua presente, embora de forma inconsciente ou disfarçada. Algumas mulheres relatam seu constrangimento no início da relação sexual: ao perceberem o parceiro tão atento ao seu pênis ereto, sentiam-se quase excluídas dessa relação do homem e seu órgão sexual.
O mito grego de Príapo, o filho deformado de Afrodite, ilustra o que poderia ser parte do desejo de quase todos os homens na nossa cultura. Possuidor de um pênis enorme, permanentemente ereto, exercia uma atração magnética sobre as mulheres, que logo se apaixonavam por ele. Príapo estava disposto a corresponder às solicitações das mulheres.
Dizia estar pronto para "engendrar cidadãos". Um sexo fecundante a serviço da pátria. De acordo com o mito, os homens da ilha de Lâmpsaco tinham inveja do enorme sucesso do deus com as mulheres e conseguiram expulsá-lo da ilha. Não esperavam, entretanto, ter de enfrentar a paixão das mulheres por Príapo. Elas rezaram em uníssono aos deuses e, como resultado, todos os homens da ilha foram atacados por uma doença nos órgãos genitais. Consultando o oráculo de Dedona, foram avisados de que o único meio de conseguirem recuperar a saúde e o êxtase sexual seria convidar Príapo a voltar para o meio deles. Não tendo outra alternativa, os homens cederam. Em memória da doença e para homenagear Príapo, moldaram imagens fálicas para si mesmos.
Príapo voltou à ilha e ali recebeu as funções de "deus dos jardins". Ficou encarregado de afastar os ladrões, o mau-olhado e garantir, dentro do recinto do pomar, a fecundidade prometida à população.
O Deus dos hebreus decretara que o homem e a mulher devem crescer e multiplicar-se, demonstrando haver uma indulgência sexual.
Mas as práticas sexuais que não resultassem em fertilidade, como a homossexualidade e o lesbianismo, eram severamente castigadas. A fertilidade era encorajada e sua ausência, depreciada. No Deuteronômio (23:1), se um homem for ferido nos testículos ou se perder o pênis, na guerra, por exemplo, é condenado ao ostracismo e proibido até mesmo de "entrar na congregação do Senhor". A Bíblia apresenta muitos comentários sobre a importância do falo e dos objetos fálicos. Para os hebreus, no entanto, o símbolo nunca era o próprio Deus.
Em outros lugares, o próprio Deus era representado com seu pênis sagrado. No Daomé, estátuas do deus Legba mostram o pênis ereto e proeminente, enchido com óleo de palmeira, que pinga lentamente pela ponta. As mães oram ao deus, num rito de fertilidade. O sêmen divino —
o sagrado óleo de palmeira — torna-se também significativo na preparação de comidas sagradas, na limpeza do corpo e na feitura de bálsamos para friccionar os órgãos genitais do homem e da mulher, antes e durante a atividade sexual.24 Em alguns antigos templos dedicados a divindades fálicas, o deus esculpido em madeira era visitado com tanta freqüência por mulheres estéreis e esperançosas que o pênis se desgastava pelo manuseio, pelos beijos, fricções e sucções a que era submetido. Para solucionar o problema, os sacerdotes fabricavam um falo muito comprido, que emergia de um orifício entre as coxas do deus.
Quando a ponta se desgastava, eles, por trás da estátua, davam marteladas, empurrando um pouco o pênis.
Entre os romanos encontramos variados ritos de fertilidade. Nas festas comemorativas da entrada da primavera, grandes representações de pênis eram carregadas ao redor dos campos a serem arados. Fertilizar os campos com o sêmen do homem também foi um costume muito difundido. Havia, entre eles, rituais mais explícitos. Mulheres normalmente recatadas e educadas, desesperadas em suas tentativas de engravidar, copulavam sem parar com estranhos nas ruas, sem qualquer restrição por parte dos maridos. Outras entravam em frenesi, enfeitadas de flores, cavalgando estátuas de pênis enormes, esfregando-se neles até suas vulvas ficarem machucadas. Virgens copulavam com deuses a fim de serem férteis e úteis para seus maridos.
O pai: o único criador
Participar da procriação junto com a mulher não parece ter sido suficiente para o homem. Agora que seu sêmen adquire importância, deseja esse poder exclusivamente para si. Nos mitos da criação do mundo, específicos das sociedades patriarcais, a figura masculina do pai adquire importância exacerbada. Além de criar o filho, torna-se também o criador da mulher.
Para a civilização judaico-cristã, Adão é criado por um Deus masculino. Javé tira uma de suas costelas, enquanto Adão dorme profundamente, e fecha cuidadosamente o lugar com carne. Eva, então, é moldada a partir dessa costela, que simboliza o ventre materno. Adão é pai e mãe de Eva. Inferior a ele, ela está distante do divino. Adão é muito superior. É filho de Deus. Foi criado à sua semelhança. Desse momento em diante, é muito claro o papel que a mulher deverá cumprir na sua relação com o homem: agradecida, por ele ter lhe dado a vida; dependente, por ter nascido dele; submissa, por ser inferior.
Na mitologia grega, encontramos também o pai como único criador. Zeus travava uma dura batalha contra os gigantes, quando Métis, sua primeira esposa, ficou grávida. A conselho de Urano e Géia, o futuro deus do Olimpo engole Métis junto com a criança em seu ventre.
Segundo a predição do casal primordial, se Métis tivesse uma filha e esta um filho, o neto arrebataria o poder supremo do avô. Completada a gestação de Atena, Zeus passou a ter uma dor de cabeça insuportável.
Chamou Hefesto, o deus das forjas, e ordenou-lhe que golpeasse seu crânio com o machado. Dali saiu vestida e armada com uma lança, dançando a pírrica (dança de guerra), a grande deusa Atena.
Hera, segunda mulher de Zeus, a protetora dos amores legítimos, ao ter conhecimento das relações amorosas de Sêmele com seu esposo, resolveu eliminar a rival. Transformando-se na ama da princesa tibetana, aconselhou-a a pedir ao amante que se lhe apresentasse em todo o seu esplendor. Zeus tentou dissuadi-la, pois um mortal não suportaria a epifania de uma divindade imortal. Mas, como havia jurado jamais contrariar seus desejos, Zeus se apresentou a Sêmele em toda a sua grandeza. Os fogos de seus raios incendiaram o palácio de Cadmo, e a princesa morreu carbonizada. Ao morrer, deixou escapar o fruto inacabado de suas entranhas. Zeus, então, recolheu o embrião, fechou-o em sua coxa, conservando-o até que completasse a gestação. Desse ventre paterno nasceu Dionísio.
Os homens grávidos
O poder de procriação parece ter sido uma das causas da guerra entre os sexos. Impossibilitados de excluir totalmente a participação da mulher, os homens tentaram reduzir de forma drástica sua importância.
O ventre materno foi desvalorizado ao máximo. Contudo, mesmo considerado um simples receptáculo, uma caverna ou um barco que serviria apenas de passagem para o feto, não foi possível apaziguar de todo a ansiedade do homem em relação à sua capacidade criadora. A paternidade mobiliza a inveja do homem diante da condição da mulher de gestar, parir e amamentar, do seu poder de criatividade e seu mistério.
Na tentativa de compensar a inferioridade paterna, algumas sociedades desenvolveram rituais de nascimento. Esses ritos de couvade podem ser encontrados nos diversos continentes e são praticados pelos homens para reforçar o sentimento de poder paterno. Eles funcionam para diminuir a diferença entre pai e mãe e levar os homens a compartilhar com a mulher o poder de procriação. Em alguns lugares, acredita-se que o vínculo entre pai e filho é mais importante do que entre mãe e filho, ou, ainda, que, por meio dos ritos, o pai nutre espiritualmente o filho. Entre os corsos, no momento do nascimento dos filhos, ninguém se preocupa com a mulher. O homem, no entanto, fica deitado vários dias, como se sentisse dor pelo corpo todo. No país basco, logo após o parto, as mulheres ocupavam-se dos trabalhos domésticos, enquanto os homens deitavam-se com os recém-nascidos e
Para os baruya, da Nova Guiné, um filho é o produto do esperma do homem. Uma vez dentro da mulher, porém, o esperma encontra-se misturado aos seus próprios líquidos. Se o esperma do homem vencer a água da mulher, a criança será um menino, caso contrário, será uma menina. Após a fecundação, o homem alimenta o feto por meio de coitos repetidos e o faz crescer no ventre da mãe. O esperma é o alimento que dá força à vida, e as mulheres enfraquecidas pela menstruação ou pelo parto bebem esperma. Um segredo dos homens baruya, que nenhuma mulher deve conhecer, é que o esperma dá a eles o poder de fazer renascer os jovens fora do ventre de suas mães, fora do mundo feminino, no mundo dos homens e apenas por eles. Assim que os jovens iniciados penetram na casa dos homens, são alimentados com esperma dos mais velhos. Essa ingestão é repetida durante vários anos, com a finalidade de fazê-los crescer mais e mais fortes do que as mulheres, superiores a elas, aptos a dominá-las e dirigi-las.
Essas práticas objetivam limitar os poderes fecundantes das mulheres. Para os baruya, o feto só se desenvolve graças ao esperma masculino. O leite com que mais tarde as crianças são alimentadas é o resultado desse esperma, já que o leite da mulher nasce do esperma do homem.
Nas últimas décadas, estudos revelam perturbações psicossomáticas nos pais durante a gravidez de suas mulheres: insônia, problemas digestivos, aumento de peso etc. Uma pesquisa sobre paternidade feita com 50 homens cujas mulheres tinham acabado de ter filho revelou dados interessantes. Entre eles, 22 acompanharam a preparação e assistiram ao parto, enquanto 28 não participaram. Todos os sintomas somáticos (com uma única exceção) ocorreram no grupo dos que não tinham sido envolvidos nos preparativos do parto. Tudo indica que as angústias surgidas nesse período são apaziguadas se o pai participa estreitamente das várias etapas da maternidade.
Texto de Regina Navarro Lins publicado em "A Cama na Varanda", Editora Best Seller, Rio de Janeiro, 2005, excertos pp. 10-20. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
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