Naturalizado na boca de muitas pessoas, tratado como um tabu ou uma falta de educação por outras, o palavrão é um recurso linguístico que circula amplamente em nossa língua, sendo usado para demonstrar os mais diversos sentimentos.
De acordo com cientistas, o palavrão é produzido em nosso sistema límbico, parte do cérebro responsável por nossas emoções. Conforme Steven Pinker, “xingar recruta nossas faculdades de expressão ao máximo”, evocando uma enorme carga de emoções, sejam elas pensadas ou impensadas.
Do ponto de vista linguístico, não há nada que distinga um palavrão das outras palavras da língua. Ele segue as mesmas regras fonológicas, morfológicas e sintáticas, o que o definirá como palavrão é a sociedade e os valores sociais da época em que o termo é empregado.
Correntemente, o palavrão está associado a palavras consideradas obscenas, relacionadas a partes do corpo, secreções ou comportamentos sexuais, o que faz com que não seja aceito socialmente por uma parcela dos falantes, que o considera um termo chulo, que deve ser rechaçado socialmente.
Segundo o etimólogo Deonísio da Silva, “a palavra vira tabu quando ganha um sentido simbólico”, desse modo, palavras que eram consideradas palavrões antigamente podem perder essa conotação, da mesma forma, palavras que não tinham esse sentido podem assumi-lo com o passar do tempo. Houve épocas, por exemplo, em que palavras como “câncer” e “peste” eram proibidas, pois estavam diretamente associadas à ideia de morte. Falar para alguém “ir para o inferno” ou usar o termo “diabo” causava um grande impacto, pois o diabo e o inferno eram temidos naquela época. Hoje em dia, essas expressões já não são mais tratadas como palavrões e passam batidas no vocabulário da maioria das pessoas.
Por outro lado, termos que carregam uma conotação sexual são tratados como tabus e o emprego deles pode corar pessoas mais puritanas, especialmente quando esses termos remetem a órgãos sexuais. Surge assim, uma lista de termos proibidos, fazendo com que o léxico erótico seja considerado obsceno e metáforas sejam criadas para substituir tanto os termos científicos quanto os termos considerados sujos e que, portanto, devem ser evitados.
Analisando a origem dessas palavras, entretanto, percebemos que não havia qualquer conotação sexual no seu emprego. A palavra “caralho”, por exemplo, amplamente usada para se referir ao órgão sexual masculino, tem sua origem no latim “characulu”, diminutivo de “kharax”, palavra grega que significa estaca. Na Antiguidade, o termo passou a ser empregado para referir-se ao membro do touro, o que fez com que rapidamente fosse usado em sentido mais amplo e passasse a designar o pênis. Sobre esse termo, é interessante observar também que ele assumiu no português brasileiro a função de interjeição, quando alguém diz “Caralho!” como forma de expressar alguma emoção; ou de advérbio de intensidade, ao ser empregado em situações como: “Gosto daquela música pra caralho”.
Outra palavra que permeia o vocabulário do brasileiro é “buceta”, também grafada como “boceta”. O termo que faz revirar os olhos daqueles que o consideram vulgar, ao mesmo tempo circula tranquilamente na boca de vários falantes. Empregada para designar o órgão sexual feminino, essa palavra tem origem no latim “buxis” e se refere a uma caixa feita de uma árvore chamada “buxo”. Na Grécia Antiga, essas caixas eram usadas pelas mulheres para guardarem objetos de valor e, com o passar do tempo, o termo evoluiu para “boceta”, sendo encontrado em poemas portugueses do século XVIII já associado ao órgão sexual feminino.
Para ouvidos mais sensíveis palavras como “merda” e “bosta” já são uma grande grosseria e não devem estar presentes no vocabulário de pessoas bem-educadas. Na galeria de palavrões de nossa língua, termos relacionados a excrementos sempre estão presentes. No latim clássico, “merda” era sinônimo de excremento, esterco. Usos como “Vá à merda” teriam surgido em uma referência a Erda, uma região romana muito suja.
Palavras que colocam em xeque a moral das mulheres também são frequentes na lista de termos considerados palavrões. “Puta”, por exemplo, é amplamente usado para se ofender uma mulher. A expressão “filho da puta” é corriqueira sempre que se quer xingar algo ou alguém. Em sua origem, o termo era usado como sinônimo de “moça puríssima e limpa”. Com o passar do tempo, passou a ser empregado no lugar de “prostituta” ou “meretriz”, considerados vocábulos mais pesados. Através de um processo de mudança linguística o termo teria recebido uma conotação negativa, embora ainda hoje, “puto” seja um termo usado em Portugal para referir-se a crianças pequenas. Outra hipótese é que ele tenha vindo do latim “putere”, usado para falar de algo que está deteriorado ou que cheira mal.
Não há consenso sobre a origem do termo “porra”, mas acredita-se que ele seja o diminutivo de “cachaporra”, uma espécie de pão que é mais grosso numa ponta do que na outra. Outros dizem que era um termo usado para nomear um bastão de madeira usado como arma de guerra na Idade Média. Com sua ponta protuberante, cravejada de lanças de metal, ele passou a ser usado popularmente para referir-se ao órgão sexual masculino e depois passou a nomear o sêmen.
Outros termos considerados palavrões mantêm o sentido bem próximo daquele usado em sua origem. A palavra “foda-se”, por exemplo, teria vindo do latim “futere”, termo usado para designar uma relação sexual com uma mulher. A palavra “cu” seria a redução de “culum”, palavra latina usada para designar o “ânus”.
Olhando para essas palavras e para as diferentes reações que eles provocam, é inegável que o palavrão faz parte do vocabulário de uma parcela significativa dos falantes de português. Mesmo sendo considerados uma falta de polidez por algumas pessoas, sendo encarados como tabus quando se referem a órgãos sexuais, termos como os apresentados aqui permeiam o discurso de muita gente, sendo usados para expressar raiva, alegria, frustração, excitação, desprezo, dependendo do contexto em que são empregados.
Referências:
https://super.abril.com.br/ciencia/a-ciencia-do-palavrao/
LEITE, Marli Quadros. Preconceito e intolerância na linguagem. São Paulo: Contexto, 2008.
BRAGA, Eliane Rose Maio. “Palavrões ou palavras: um estudo com educadoras/es sobre sinônimos usados na denominação de temas relacionados ao sexo”. Tese de Doutorado. UNESP, 2008.
PRETTI, Dino. A linguagem proibida : um estudo sobre a linguagem erótica . São Paulo: Queiroz , 1 984
Texto de Adriana de Paula. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa
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